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Visibilidades transtravestis

Fábio Morelli

  • 30/01/16
  • 08:00
  • Atualizado há 428 semanas

Não sou juiz, promotor, investigador, sequer delegado. Este texto não possui o intuito de procurar sentenças que estejam alocadas na lógica dual: culpado ou inocente. Trata-se de um texto que busca pensar algumas sutis violências do cotidiano brasileiro no que se refere à abordagem de pessoas travestis e transexuais.

Hoje, dia 29 de janeiro, é o dia nacional da visbilidade trans no Brasil. A data é marcada desde o ano de 2004, pois no dia mencionado, ativistas transexuais e travestis participaram de uma campanha no Congresso Nacional contra a Transfobia intitulada "Travesti e Respeito". O prefixo trans diz respeito à transformação ou à transição de algo, no caso, do gênero - nada tendo a ver com orientação sexual -, isto é, travestis e transexuais são pessoas que não se sentem contempladas com o corpo, nome e gênero que lhes foram dados ao nascer, fazendo, assim, transformações corporais e de vestimentas consideradas divergentes do seu sexo biológico.

Entretanto, estas transformações não são bem aceitas socialmente fazendo com que elas e eles abandonem a escola devido as violências diárias, abandonem o mercado de trabalho convencional que normalmente as enxergam como pessoas que fariam seus comércios, seus bares e suas empresas perderem prestígio e, em muitos dos casos, são abandonadas e abandonados pelos seus familiares que não reconhecem e, por isso, não as/os aceitam em sua convivência, tampouco em seus lares.

Há, claro, exceções, mas ainda são raríssimas. De modo geral, essa conjuntura social faz com que travestis e transexuais percam a garantia de seus direitos e do exercício de cidadania e, assim, acabam, muitas vezes, sobrevivendo de formas consideradas ilegais ou muito pouco dignas. Há, portanto, uma dupla estigmatização, a primeira ocorre no momento em que escolas, mercado de trabalho e família - só para citar alguns lugares, mas poderia incluir vários outros aqui -, por desconhecerem a diversidade de gênero, acabam por abandonarem seus/suas alunos e alunas, profissionais e filhos e filhas. A segunda é decorrente da primeira, pois, devido ao abandono, suas opções de trabalho e de sobrevivência são reduzidas a lugares marginalizados e estigmatizados socialmente como, por exemplo, a prostituição.

Esse duplo processo é causador da invisibilidade de travestis e transexuais que (quase) nunca são vistas e vistos em lugares públicos, principalmente durante o dia. Por isso, suas presenças são (quase) sempre encaradas como uma ameaça ou, no mínimo, como um incômodo. Se suas presenças já são quase ausências por conta da invisibilidade, o que dizer de seus direitos? Para pensar sobre essa questão, vale uma rápida conferida no google e/ou no youtube em busca de reportagens realizadas sobre conflitos entre travestis e transexuais e qualquer outra pessoa.

Normalmente, a imprensa aborda as questões já demarcando travestis e transexuais como as/os agressoras/es e o cidadão ou cidadã que por não serem nem travestis e nem transexuais são considerados de bem e que, então, nunca ameaçariam, tampouco jamais seriam violentos com qualquer outra pessoa, ou seja, são sempre considerados vítimas.

Uma situação muito frequente de violação dos direitos de travestis e transexuais diz respeito ao tratamento pelo seus nomes sociais. Recusar-se a chamar travestis e transexuais por eles é coloca-las/os em uma exposição pública degradante e, por isso, é uma situação de violência e de violação de direitos. No âmbito do Estado de São Paulo (há legislações a nível federal), o decreto 55.588/2010 já exige dos/as funcionários/as públicos/as que o atendimento às travestis e transexuais ocorra por meio do seu nome social. Entretanto, é muito comum, funcionários e funcionárias de repartições públicas se recusarem, ou não se atentarem, em atender a essa norma mesmo depois de orientados pela travesti ou pela/o transexual. Seja por preconceito, por desatenção, por desorientação ou por qualquer outro motivo, não usar o nome social é corromper com normativas legislativas e ultrapassar limites do respeito e do atendimento digno.

O dia da visibilidade trans não é somente para que travestis e transexuais estejam mais em evidência em nossos cotidianos, mas é, principalmente, para que também estejam visíveis as violências e o desrespeito que elas e eles enfrentam cotidianamente e, assim, talvez, passarem a ter seus direitos e suas expressões humanas mais respeitadas e protegidas. Um viva à diversidade e ao bom senso!

*Por Fábio Morelli - Licenciado e Bacharel em Ciências Sociais pela UNESP/Marília, mestrando em Psicologia pela UNESP/Assis e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Sexualidade (GEPS)

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