O mal que leva uma pessoa a se levantar, mesmo dormindo, falar, andar e fazer outros movimentos como se estivesse acordada chama-se sonambulismo. Trata-se de uma doença que atinge um número bem restrito de pessoas e tem tratamento. Agora, o que leva um indivíduo a cantar mulheres casadas, sem que estas jamais tenham lhe dado confiança, chama-se safadeza.
O Celestino era um conterrâneo meu; sujeito pintoso, nos seus trinta e poucos anos, que tinha um hobby pouco recomendado, que era o de cantar mulheres dos outros. Ali mesmo no bairro onde a gente morava ele já tinha dirigido gracejos a diversas senhoras bem casadas, o que lhe havia custado alguns tapas na cara, de maridos broqueados, além de vários processos.
Mas o Celestino não se emendava mesmo, continuava com suas investidas contra o mulherio do lugar. De repente, o safado cismou de cantar a mulher do seu melhor amigo, o Simplício, um baiano caminhoneiro que morava a duas quadras de sua casa, mais bravo que cachorro de japonês. Amigo só não, o Simplício era também seu compadre; portanto, o cara estava a fim da própria comadre, que era mulher séria e nem imaginava as más intenções do compadre.
Celestino ouviu falar do tal sonambulismo e pensou: "Já sei como me aproximar da comadre" e logo já começou a se levantar a noite e andar por dentro de casa, abrindo e fechando portas e janelas, fingindo ser sonâmbulo. A coitada da esposa mesma se encarregou de esparramar pelo bairro que o marido estava com a doença que faz caminhar dormindo. Uma semana depois, o desavergonhado já estava na rua, tateando pelos lados da casa do compadre Simplício, que passava a maior parte do tempo nas estradas.
Não demorou muito, o Simplício ficou sabendo e não gostou nadinha, porque conhecia como ninguém a peça que era seu compadre. O baiano pegou uma peixeira e também um esmeril e mandou chamar o Celestino, que chegou logo depois, com ar de desconfiado. Simplício começou a passar o fio da faca no amolador. A cada passada, Celestino engolia em seco, arrepiando até os pelos do dedão do pé. A voz quase não saiu para cumprimentar o amigo.
-Bom dia, compadre Simplício.
-Bom dia, compadre Celestino.
-Como vai de saúde? - perguntou Simplício.
-Estou bem melhor, compadre - respondeu Celestino.
Continuando a afiar a faca, com aquele movimento que é a especialidade dos açougueiros, Simplício indagou:
-Como é mesmo o nome da doencinha esquisita que tem feito o pobre do meu compadre vagar por aí de noite, principalmente pras bandas de minha casa, justamente quando eu não estou?
Com o olhar fixo na faca, que já estava mais para navalha e vendo claramente na fisionomia de seu compadre que ele não estava pra brincadeira, o Celestino emendou esta:
-É sonambulismo, compadre, mas o senhor pode ficar sossegado, que o doutor hoje me deu uns comprimidinhos, que segundo ele, curar não curam, mas vão me fazer mudar completamente de direção em minhas perambulações sonambúlicas noturnas.