"Mesmo na Arcádia, existe a morte." (Guercino)
"Mesmo na morte, pode haver a Arcádia." (Fragonard)
Setembro abre a primavera: jabuticabas, uvaias, amoras, quaresmeiras, ipês, azaleias e tantos
outros frutos maduros e flores desafiando o vento. A natureza em setembro é uma dança de
cores despedindo-se do inverno, anunciando um novo ciclo da vida. Como pensar na morte,
em setembro? Como pensar em suicídio, em setembro? Como imaginar uma dança de morte
em meio a uma dança de flores? No entanto, mesmo que o sol nos aqueça a pele e as cores de
setembro enfeitem nossos olhos, todos nós estamos sujeitos aos ataques da tristeza e da
depressão, mesmo em setembro. A angústia não tem tempo para chegar, nem hora para nos
abandonar.
Não tenho compromisso com a tristeza, o que não me livra, porém, de momentos negros , de
desolado desânimo, amarga bílis, ou vertiginosa, ainda que passageira, angústia. Angústia:
estreitamento de caminhos, falta de ar e de perspectiva, agonia, peso nem sempre
identificável, esmagando a alma e, às vezes, o corpo. Quem não tem esses momentos? Que
fale Chico Buarque na sua Roda Viva: "Tem dias que a gente se sente/Como quem partiu ou
morreu/[....> A gente quer ter voz ativa/No nosso destino mandar/Mas eis que chega a roda-
viva/E carrega o destino pra lá/[....> A gente vai contra a corrente/Até não poder resistir/[....>".
A torcida é para que as horas negras não sejam definitivas e irremediáveis, nem coloquem em
risco o amor pela vida. Mas quem garante? A depressão e a melancolia, demônios do meio dia,
como eram chamadas na Idade Média, são às vezes mais poderosas do que o instinto de
sobrevivência. A História registra que, no período medieval, muitos monges, cansados da
solidão e da vida rotineira nos mosteiros, caíam em profunda melancolia, prostração e
desânimo. O fenômeno, conhecido por acédia, era considerado pecado grave e uma grande
preocupação para a administração da Igreja da época, que buscava combatê-lo, pois levava os
monges atacados por esse mal a descuidarem de suas obrigações religiosas e cotidianas e até
mesmo a terem surtos de desequilíbrio mental em que passavam a blasfemar. Hoje, sabe-se
que a acédia e suas variantes não são pecados da preguiça e do desleixo, como se entendia na
época, mas doenças que demandam cuidado e tratamento.
O grande problema é que o deprimido grave nem sempre tem consciência do fundo do poço a
que chegou, nem forças para resistir ao sorvedouro que o puxa. Pior: as pessoas de seu
convívio, parentes e amigos, que o amam e que poderiam ajudá-lo a superar o mau momento,
nem sempre têm sensibilidade suficiente para perceber os sinais amarelos que prenunciam o
provável gesto desesperado.
As cores de setembro são um grito de alegria, mas, paradoxalmente, também um brado de
advertência. Mesmo na alegria temos que estar atentos aos sofrimentos do outro, para tentar
intervir quando os sinais dispararem, e ajudá-lo a transformar a inevitável presença do
sofrimento e morte que nos ronda permanentemente, em tranquilidade da alma e alguma paz
que nos garanta o primado da beleza da vida.