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Toca o surdo que o Brasil é nosso!

Niva Miguel

  • 19/11/14
  • 07:00
  • Atualizado há 491 semanas

Mônica, Niva, Claudomiro, Léo, Kita, Lailão, Paulo, Corina..., todos cidadãos negros brasileiros e todos vivendo aqui em Assis, com muito orgulho! Todo mundo sabe que fevereiro e março são os meses em que ocorre o Carnaval, no qual o povo brasileiro sacode a poeira, dá a volta por cima e cai na avenida na maior festa popular do Brasil. Essa festa mexe com o país de Norte a Sul e de Leste a Oeste. Só se vê risos, alegria e a massa sambando. E samba é coisa nossa!

Ao contrário do Carnaval, a sociedade brasileira dá pouca importância para a segunda maior festa popular do país, que já está acontecendo desde o início do mês. O leitor e a leitora devem estar se perguntando - mas que festa é essa de que não ouvi falar nada em lugar nenhum e ainda por cima nem fui convidado? Calma, eu explico: também de Norte a Sul e de Leste a Oeste a comunidade negra brasileira, nós os afrodescendentes, estamos rememorando o mês da "Consciência Negra" e, como sempre, no dia 20, homenagearemos o nosso maior líder, "Zumbi dos Palmares", que comandou o quilombo mais famoso do Brasil, no século XVII. E, claro, com muita festa e alegria. Isso também é coisa nossa!

Para quem não sabe, Zumbi dos Palmares é personagem no "Livro de Aço", livro dos heróis e heroínas da pátria, guardado no Panteão da Pátria Tancredo Neves, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Ele é o segundo da lista, que tem 40 nomes, só perdendo para Tiradentes. Quanta honra, hem!

E não é só isso, não. De 5 a 7 de novembro, em Brasília, ocorreu a III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (III CONAPIR), cujo debate girou em torno do tema "Democracia e desenvolvimento sem racismo: por um Brasil afirmativo".

A proposta principal do evento foi reafirmar e ampliar o compromisso do governo e da sociedade brasileira com políticas de enfrentamento ao racismo e de promoção da igualdade como fatores essenciais à democracia plena e ao desenvolvimento com justiça social no país.Também é ummomento ímpar de reflexão e debates sobre os rumos das ações governamentais relacionadas à busca de uma igualdade entre brancos e negros que jamais existiu no Brasil. Isso somado à conjuntura de denúncia de violência e assassinatos que tem como principais vítimas os jovens negros. Por conta disso, essa Conferência se tornou ainda mais importante.

Essa "festa" está acontecendo em quase todas as cidades do Brasil, inclusive aqui em Assis, e tem Arte, Cultura, Política e muita alegria. E você é nosso convidado. Então, toca o surdo que o Brasil é nosso!

A fraternidade de Assis e a Comunidade Negra

Assis é reconhecida em todo o país como uma cidade fraterna. Entende-se, assim, que ela deveria tratar todos que aqui vivem ou a visitam com respeito e dignidade. Além disso, deveria oferecer condições para que se tenha uma plena cidadania, por exemplo. No dicionário, fraternidade quer dizer: "amor ao próximo, harmonia, concórdia".

Mas, com a comunidade negra assisense, leia-se "Instituto do Negro de Assis - Zimbauê", não tem sido assim por parte do Poder Público, que está mais para o Amigo da Onça do que para amor ao próximo. Existe um descaso evidente com a questão do negro na cidade.

Como já foi dito, desde o início do mês várias atividades vêm ocorrendo em todo o Brasil e aqui em Assis também, mas em nenhuma delas vimos alguma autoridade presente, e assim tem sido nos anos anteriores.

Então, entendemos da seguinte forma, corrija se estivermos errados. Para o Poder Público esse assunto não é interessante já que ninguém aparece. Se não é interessante não precisa ir e nem mandar representantes; não indo, não tem diálogo; não tendo diálogo, não precisa de projetos; não tendo projetos, não tem trabalho; não tendo trabalho, não tem dinheiro; não tendo dinheiro, não tem nada e, não tendo nada, tudo fica como está e seja o que Deus quiser. É preciso mudar com urgência essa visão, num momento em que o país e o mundo atuam positivamente na mudança em favor da redução da desigualdade social!

A Câmara Municipal de Assis segue pelo mesmo caminho, pois jamais tivemos a honra de receber um "edil" em nossos eventos. Isso comprova o pouco caso ou nenhum interesse por parte dos mesmos sobre esse assunto, pra não dizer que estão pouco informados sobre essa problemática e o que está acontecendo em diferentes cidades do Brasil sobre a questão étnica e a desigualdade social. Sendo assim, como vão criar leis que possam contribuir para uma melhor condição social do pobre e do negro em Assis? É preciso abrir um canal de diálogo com a população negra, é preciso criar leis de políticas afirmativas, é preciso que venha alguma contribuição da Câmara Municipal. É preciso...

O Instituto do Negro de Assis - Zimbauê mantém com a Unesp um relacionamento fraterno, de parceria em vários eventos. Isso é positivo para a causa. Além disso, a instituição trabalha essa questão em várias frentes, o que é uma contribuição valorosa nesse sentido.

Por outro lado, as demais instituições de ensino presentes em Assis parecem caminhar na contramão da ordem social nesse quesito. Senão, vejamos: em pleno mês da Consciência Negra, andando pela cidade, podem-se observar outdoors divulgando o vestibular 2015 em tudo quanto é canto, certo! Uma olhada mais detalhada fará você ver que essa temática passou despercebida ou que nem sequer foi lembrada, o que é mais provável.

O que mais chama a atenção é um outdoor com oito (8) jovens felizes, sorrindo para quem quiser ver, e nem poderia ser de outra maneira. No tal outdoor, na questão de gênero, está tudo certo, 4 homens e 4 mulheres. Até aí, tudo bem. Mas onde é que está o x do problema, então? O problema é que esse outdoor lembra Brasil X Alemanha na última Copa do Mundo de Futebol. Você se lembra do placar? Pois é, foi 7x1 pra eles. Doeu para todos nós, né?

Só que, agora, doeu só para a comunidade negra de Assis ter de ver um outdoor com 7 jovens brancos, 4 mulheres e 3 homens, e um jovem negro, unzinho (1) só. Cadê a representação da mulher negra nesse outdoor? Mulher negra não estuda e nem pode estudar nessa faculdade? Não as querem por lá? Qual é o problema, afinal? Precisamos saber com urgência, para poder contribuir na inclusão de gente do nosso povo nas instituições de ensino.

Como se viu, a maré não está pra peixe quando se fala de pobres e negros aqui em Assis. Mas, continuaremos nadando contra a correnteza, enquanto essas instituições não olharem para essa questão com outros olhos.

Porque é preciso olhar

Um relatório divulgado recentemente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública atestou que policiais brasileiros mataram nos últimos cinco anos 11.197 pessoas, mas garantem também que esse número é bem maior.Nos Estados Unidos levariam 30 anos para abater o mesmo contingente. É mole?

Existe uma guerra declarada contra pobres e negros, apresentada como repressão à criminalidade. Porém, esses números apontam claramente para um alvo da periferia: negro, masculino e jovem.

Segundo a UFSCar, no núcleo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, 61% das vítimas da polícia são negras, 97% são homens e 77% têm entre 15 e 29 anos, dados referentes a São Paulo. Mas, você acha que em outros Estados é diferente? Imagina na Bahia! Isso não pode continuar acontecendo. Daí o nosso grito!

Mesmo assim, nós da comunidade negra, nesse mês, estamos cantando nos quatro cantos do país: explode coração, na maior felicidade... É lindo ver nosso povo negro cantando e sacudindo esse país!

Então, toca o surdo que o Brasil é nosso!

Niva Miguel é jornalista,

professor,

membro do Zimbauê

e autor do livro

"Além da Noticia"

[email protected]

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