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Drogas: antes de pedalar, verifique as correntes

Discurso proibicionista vai na contramão da história e pode reforçar experiência fadada ao fracasso.

  • 26/06/15
  • 17:00
  • Atualizado há 456 semanas

Assis recebe, nessa sexta-feira (26), a sexta edição da Pedalada Contra as Drogas. O evento, à primeira vista, aparenta estar envolto das melhores das intenções por parte de seus organizadores. No entanto, é fundamental refletir que ideia é reforçada quando se faz um evento "contra as drogas", em seu sentido mais amplo e generalista.

Para começar, nenhuma interpretação sobre a realidade deve estar descolada de um entendimento do 'processo histórico'. Isto é, o mundo não começou ontem, a sociedade nem sempre foi assim, e o nosso presente é só uma pequena linha do que será contado nos livros de um futuro totalmente diferente do que vivemos hoje.

Tendo o processo histórico por base, então o que entendemos por 'drogas' é só uma classificação contemporânea, do nosso momento, que não existiu na esmagadora maior parte do passado e só servirá como um registro histórico no futuro. Visualize só:

"Houve um tempo em que se criou um mito que determinada substância era o maior inimigo da sociedade. A substância foi proibida e sua produção e comercialização foram parar no mercado negro. De fora da lei, os bandidos passaram a se armar para se estabelecer frente à concorrência e às forças do Estado, e os números da violência rapidamente cresceram. A produção deixou de ter qualquer controle de qualidade e logo a tal substância incorporou outras substâncias mais baratas e lucrativas, gerando inúmeros problemas de saúde entre os consumidores enquanto fortalecia o império dos traficantes."

Essa história não é uma suposição. Estamos falando do álcool e da Lei-Seca norte-americana, que entre 1920 a 1933 proibiu bebidas alcoólicas e possibilitou o surgimento de figuras históricas como Al Capone, o maior nome da máfia nos Estados Unidos. Com o fracasso da proibição, a Lei-Seca foi revogada e logo os números da violência voltaram ao patamar do início do século.

É passado, mas se trocarmos algumas figuras, veremos que a história a ser narrada para nossos netos e bisnetos será bem parecida. Ou seja, não aprendemos com o erro e continuamos errando.

A classificação proibicionista das 'drogas' é muito recente em termos históricos. Começou em 1971, quando o ex-presidente norte-americano Richard Nixon declarou em transmissão nacional que as drogas eram o 'inimigo público número um dos Estados Unidos'. E, obviamente, se é dos EUA, é do mundo todo.

Daí, uma constatação: Maconha não era 'droga' antes de 1971. LSD também não, entre outros que estavam no patamar das substâncias psicoativas como o café, o álcool e o tabaco. Ou seja, drogas só são assim denominadas, carregando todo tipo de tabu e preconceito, porque alguém decidiu que assim fosse. Jamais por natureza.

Voltando à história, nesse momento aparece uma figura de grande importância, o economista e Nobel da Paz, Milton Friedman. Friedman, que havia crescido na Chicago da Lei-Seca, fez algumas previsões sobre o futuro da 'Guerra às Drogas' convocada por Nixon:

Dizia que a guerra criaria um "fruto proibido" que iria seduzir os jovens. A produção cairia no mercado negro e se formariam organizações criminosas extremamente lucrativas. Produtores seriam incentivados a criar drogas mais potentes e viciantes. A quantidade de dinheiro envolvida aumentaria a corrupção entre policiais e políticos para que não incomodassem os negócios. Por fim, haveria um encarceramento em massa por crimes que antes não existiam.

Veja só se não está aí descrita a nossa realidade. Tráfico organizado, corrupção, presídios lotados (mais de 200 mil presos por tráfico, segundo o CNJ), e a questão do crack, que nas chamadas para a 'Pedalada' ganha "Tolerância Zero", e merece uma atenção especial para entendermos onde é que apoiamos o pezinho de nossa bike.

Segundo o próprio Nobel da Paz, o crack, assim como outras drogas pesadas, só foi criado graças à proibição. Uma droga extremamente lucrativa, barata e viciante, sem qualquer controle de qualidade e que, assim sendo, só atende a um único interesse: o dos criminosos.

Derivado da cocaína, o crack segue o caminho das perigosas bebidas destiladas comercializadas pela máfia no lugar da cerveja e do vinho, nos Estados Unidos da década de 20. Aquela proibição durou 23 anos, a nossa já passa de quatro décadas, e por isso é que precisamos repensar o discurso combativo.

O assunto é muito extenso e é importante, antes de tudo, que estejamos dispostos a pesquisar se quisermos um discurso esclarecido (Recomenda-se o documentário 'Quebranco o Tabu', ancorado por Fernando Henrique Cardoso). Nesse 'pacotão' em que as drogas foram jogadas, há de se considerar os efeitos medicinais da maconha, a importância do LSD e das drogas sintetizadas para o auto-conhecimento, o uso terapêutico de diversas substâncias naturais e químicas, tudo isso de fora do paradigma da 'droga' criado em 1971.

Diversos países já estão seguindo o caminho da quebra de paradigma. Há desde os que simplesmente legislam em favor da liberdade individual de consumir o que quiser em ambiente privado sem interferência do Estado, até os que enxergam na descriminalização das drogas uma forma de se aproximar dos usuários para que a questão das drogas seja tratada como um problema de saúde pública, e não de segurança. Afinal, um usuário crônico de crack precisa de ajuda, e não de uma cela na cadeia.

Esses são os casos de Espanha, Holanda, Bélgica, República Tcheca, Uruguai, Portugal, e de estados norte-americanos como o Colorado, Washington, Califórnia e Alaska, entre outros, onde a maconha foi legalizada e os resultados positivos já podem ser vistos.

No mesmo sentido, há um movimento de grandes líderes mundiais como Bill Clinton, Jimmy Carter e o próprio ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso que buscam elevar o debate sobre o tema das drogas para acabar com a política proibicionista. O próprio Obama disse em 2014, à revista 'The New Yorker', que considera a maconha menos perigosa que o álcool, e que a experiência da legalização em seus estados deveriam seguir adiante e ser observada.

O mundo caminha para o fim do paradigma das drogas, num sentido racional, sem emoção ou tabu. Enquanto isso, nós aqui não podemos reproduzir o mesmo discurso de combate que há tanto tempo ilude o povo com uma promessa de segurança pública que nunca chega. Enquanto isso, a política proibicionista vai matando a população predominantemente negra das favelas, lotando os presídios ao passo que fortalece o crime organizado, vai semeando a corrupção nas corporações da polícia, e por fim, criando um terror que antes não existia, ainda que as drogas já existissem há milhares de anos.

Sim, elas sempre existiram e continuarão existindo. Quer queira, quer não queira. Algumas, inclusive, nascem no mato e nem sabem que levam a alcunha de 'droga'. Essas só terão fim com uma extinção geral da espécie, possibilidade pouco lúcida.

Por isso, pedalar contra as drogas sem pedir uma mudança de política progressista, é ineficaz.

Nessa ladeira longa e árdua que é a evolução e o progresso, antes de continuar a subida, verifiquemos se as correntes estão encaixadas nas catracas, para que não paremos no tempo pedalando em vão.

Obs: Em tempo: Na mesma semana da 'Pedalada Contra as Drogas', a UNESP de Assis promove um Simpósio sobre a maconha. Uma grande iniciativa esclarecedora. Mas para que a Universidade cumpra sua função social e seu pilar de extensão universitária, é preciso que esse tipo de evento saia da esfera da universidade e seja levado à população local.

Guilherme Xavier Ribeiro

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