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O mendigo e a flor

Daniel Freitas

  • 02/06/17
  • 10:00
  • Atualizado há 359 semanas

Daniel Freitas

Já passava das três da tarde e o pobre do Severino ainda não tinha comido nadinha. Sentado num banco da praça da catedral, ele ouvia o ronco de sua barriga reclamando que estava vazia. Também, aquele não era mesmo o dia do baiano Severino, porque das três portas em que havia batido naquela manhã, em nenhuma tinha conseguido alguma coisa para comer. Na primeira, nem lhe atenderam; na segunda, o mandaram voltar outra hora, como se a fome pudesse ser controlada conforme o tempo e a boa vontade das pessoas e na terceira, ouviu a maior descompostura de uma senhora de quem ele interrompeu o sono antes da hora.

"Tenta de novo, Severino", pensou consigo mesmo; e o baiano tentou. Vagando pelas ruas da cidade, lá vai o moço que um dia deixou a Bahia, como tantos nordestinos para arriscar a sorte em São Paulo, sonhando como um menino, mas que acabou mesmo foi se tornando mendigo. Sentiu saudades de sua Macaúba, lá no interior da Bahia, já que lá, pelo menos ele tinha rapadura com água que lhe enganava o estômago.

Uma virtude Severino tinha como mendigo, não pedia dinheiro a ninguém, para não dizerem que era para beber. Aliás, ele detestava bebida alcoólica, só pedia comida.

A fome era tanta, que Severino pensou até em remexer nos sacos de lixo daquele bairro nobre por onde estava passando. "Não... isto seria demais, coisa para cachorro; deveria ter por ali uma alma caridosa que lhe desse no mínimo um pedaço de pão velho", pensou.

Escolheu a mais bonita mansão do bairro e já se preparava para tocar a campainha, coisa que ele conhecia muito bem, quando vacilou, ainda frustrado com as três primeiras tentativas. Pendendo sobre o muro da casa ao lado, ele viu algumas flores. Teve então uma ideia: colheu a mais bela flor, e aí, apertou a campainha, que foi atendida por uma voz feminina.

-Quem é?

-Sou eu, o Severino, estou morto de fome.

Breve silêncio. Minutos depois aparece uma linda mulher, e antes que ela dissesse alguma coisa, Severino estendeu a mão trêmula que segurava a flor.

-Uma flor para a senhora.

Cheia de espanto, quase paralisada com o gesto do mendigo, a mulher acariciou a flor e contemplou por um instante o rosto daquele homem simples, com profundas marcas de sofrimento. Ele sorriu.

-A senhora gosta de flores?

-Adoro flores, Severino.

Com absoluta certeza, foi a mais lauta refeição que Severino comeu em toda sua vida. Quando terminou, enquanto a madame não vinha buscar o prato, Severino balbuciou:

-Meu Deus, como as mulheres gostam de flores, e eu nem sabia disto.

-Muito obrigada pela flor, Severino.

-Obrigado também pela comida que a senhora me deu sem me fazer sermão; que Deus abençoe muito a senhora.

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