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Prisão antes de condenação transitada em julgado

José Benjamim

  • 23/03/18
  • 19:00
  • Atualizado há 317 semanas

O tema, que está na ordem do dia, tem implicações que vão muito além da obsessão atual em saber se Lula vai ou não vai ser preso. A origem do quiproquó remonta à nossa Constituição (nem sempre) cidadã de 1988. A qualificação de cláusulas pétreas dada a alguns dispositivos constitucionais pelos constituintes de 1988, insuflados por juristas nefelibatas, constitui, na sua maior parte, rematada tolice. Pretender a imutabilidade "ad eternum" de certos valores constitucionais específicos adotados em contextos político-sociais historicamente condicionados é um contrassenso. O modelo de constituições rígidas ou semi-rígidas é um convite permanente à insurreição.

É o caso do princípio da "presunção da inocência", colocada em nossa Carta Magna como cláusula pétrea. Da redação irresponsável adotada pelos constituintes de 1988 - e ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória, art. 5º,

LVII, da CF88 - muitos juristas extraem a interpretação de que o autor de um crime só deverá

cumprir sua pena de prisão quando esgotados todos os recursos permitidos pelo nosso

sistema processual. É claro que isso seria o ideal, se essa interpretação, à luz da realidade, não

conduzisse ao absurdo esvaziamento e corrosão dos fundamentos e da própria razão de ser do

direito penal e do direito que todos temos à segurança e à ordem pública. E nenhuma norma

jurídica, inclusive constitucional, pode ser interpretada de modo a levar a situações absurdas.

Significa, em tese, desconsiderados os casos de prisão preventiva, que a condenação imposta

por um juiz de 1º grau não tem nenhum resultado imediato. Havendo recurso para o Tribunal,

a confirmação da condenação pelo colegiado de desembargadores também não gera qualquer

efeito, pois o réu pode ainda apelar para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo

Tribunal Federal. Nesses Tribunais, também tem direito a sucessivos recursos, os quais são

manejados quase sempre com o intuito de postergar ao máximo o cumprimento da pena ou

conseguir a prescrição. Resulta que um processo, bem manejado por um bom advogado, pode

levar até 10 ou mais anos para chegar ao seu fim, não sendo incomum que acabe sendo

reconhecida a prescrição pelo tempo decorrido e o réu fique definitivamente livre de cumprir

qualquer pena.

Esse sistema é escandalosamente irracional e inadequado, jurídica, política e socialmente. A

pena criminal visa a dois objetivos de grande relevância político-social: a retribuição e a

prevenção. A retribuição significa pagar pelo que fez. A prevenção significa dar um recado ao

próprio réu, à sociedade e aos virtuais delinquentes, de que não é bom negócio transgredir a

norma penal, porque a resposta, o castigo, virá rápida e eficazmente. Ora, se a resposta vem

10, 15 ou 20 anos depois, ela não terá mais nenhuma função preventiva. E determinar a

alguém que cumpra sua pena pelo que fez 15 ou 20 anos atrás pode não ter mais nenhum

significado retributivo. Ao contrário, cheira a crueldade, vingança estatal iníqua. A pessoa pode

estar completamente regenerada ou, então, muito velha (veja-se Maluf).

Por isso, a interpretação majoritária do Supremo Tribunal Federal firmada em julgamento

ocorrido em 2016, considerando que a execução da pena após a confirmação da condenação

pelo Tribunal de 2ª Instância não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência, é defensável, por ser produto do bom senso, da racionalidade e da sensibilidade

social, embora seja uma interpretação que, certamente, não satisfaz aos juristas nefelibatas,

distantes da singela verdade da sabedoria popular: "a lei foi feita para o homem e não o

homem para a lei".

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