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Como dizia o poeta

COLUNISTA - Por Niva Miguel

Niva Miguel

  • 17/04/18
  • 12:00
  • Atualizado há 314 semanas

O texto a seguir são compilações, trechos, da MPB e de Sambas, com algumas interferências. Creio eu, para dar sentido ao que eu me propus a fazer. Então, aumenta o som que isso é Brasil!

Eu sou apenas um rapaz latino americano. Sem dinheiro no banco, nem embaixo do colchão e, muito menos, no bolso. Sem parentes importantes e vindo do interior. Mas trago de cabeça uma canção do rádio. Em que um antigo compositor baiano me dizia. Tudo é divino. Tudo é maravilhoso.

E esse rapaz latino americano, somos todos nós, quero dizer, a maioria da população deste país, simples mortal. Homem e mulher, jovem e criança de todas as etnias e credos, enfim, o nosso povo. Isto é, aqueles que clamam com dignidade por um país melhor para todos.

Agora, imagina um encontro e uma conversa com um "brother" ou uma "sister", aquele(a) do peito, que você gosta e considera. Que você não vê já faz algum tempo. Imagina um lugar, uma mesa embaixo de uma árvore e pássaros cantando ao redor. Imagina um rio com águas caudalosas correndo a poucos metros dos seus olhos, mexendo com todos os seus sentidos e gente nadando, se divertindo. Imagina crianças brincando na rua pavimentada com tijolos, os meninos andando de bicicleta e as meninas pulando amarelinha, felizes.

Observe as casas com fachadas antigas, transformadas em restaurantes, mostrando que, ali, pessoas humildes contribuíram com a riqueza histórica e cultural do local. Tudo isso ao seu bel prazer. Então, você chama o garçom, seu velho amigo, e pede uma cerveja gelada ou café, como preferir. Aí, você imagina que está no paraíso e abre um sorriso de felicidade e de gratidão. Então, você acorda do sonho. Mas o sonho continua porque você está com um amigo.

Olá, como vai? Eu vou indo e você, tudo bem? Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro...E você? Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo...Quem sabe?

Prepare o seu coração. Pras coisas que eu vou contar. Eu venho lá do sertão. E posso não lhe agradar. Aprendi a dizer não. Ver a morte sem chorar. E a morte, o destino, tudo. Estava fora do lugar. Eu vivo pra consertar. Porque gado a gente marca. Tange, ferra, engorda e mata. Mas com gente é diferente. Agora sou cavaleiro. Laço firme e braço forte. Num reino que não tem rei.

Brasil, mostra a tua cara. Quero ver quem paga pra gente ficar assim. Brasil, qual é o teu negócio. O nome do teu sócio. Confie em mim. Não me subornaram, será que é meu fim. Ver TV a cores na taba de um índio. Programada pra só dizer sim.

Vocês que fazem parte dessa massa. Que passa nos projetos do futuro. É duro tanto ter que caminhar. E dar muito mais do que receber. E ter que demonstrar sua coragem. E ver que toda essa engrenagem. Já sente a ferrugem lhe comer. Vida de gado. Povo marcado, ê. Povo feliz!

Então:

Quando você for convidado pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos. Dando porrada na nuca de malandros pretos. De ladrões mulatos e outros quase brancos. Tratados como pretos. Só pra mostrar aos outros quase pretos. E são quase todos pretos. E aos quase brancos pobres como pretos. Como é que pretos, pobres e mulatos. E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados. E não importa se os olhos do mundo inteiro. Possam estar por um momento voltados para o largo. Onde os escravos eram castigados.

Pelos campos há fome em grandes plantações. Pelas ruas marchando indecisos cordões. Ainda fazem da flor seu mais forte refrão. E acreditam nas flores vencendo o canhão.

Vamo embora. Dá lugar pros gringo entrar. Esse imóvel tá prá alugar. Os estrangeiros. Eu sei que eles vão gostar. Tem Atlântico. Tem vista pro mar. A Amazônia. É o jardim do quintal. E o dólar dele. Paga o nosso mingau

Quando você foi embora fez-se noite em meu viver. Forte eu sou, mas não tem jeito. Hoje eu tenho que chorar. Minha casa não é minha e nem é meu esse lugar. Estou só e não resisto, muito tenho pra falar.

Hoje você é quem manda. Falou, tá falado. Não tem discussão, não. Você que inventou esse estado. E inventou de inventar. Toda a escuridão. Você que inventou o pecado. Esquece-se de inventar. O perdão. Eu pergunto a você. Onde vai se esconder. Da enorme euforia. Como vai proibir. Quando o galo insistir. Em cantar. Água nova brotando. E a gente se amando. Sem parar. Quando chegar o momento. Esse meu sofrimento. Vou cobrar com juros, juro. Todo esse amor reprimido. Esse grito contido. Esse samba no escuro. Você vai pagar é dobrado.

Cada lágrima rolada. Nesse meu penar. Inda pago pra ver. O jardim florescer. Qual você não queria. Você vai se amargar. Vendo o dia raiar. Sem lhe pedir licença. E eu vou morrer de rir. Que esse dia há de vir. Antes do que você pensa.

Você abusou. Tirou partido de mim, abusou.

Olha nós aí

Caminhando pela noite de nossa cidade. Acendendo a esperança e apagando a escuridão. Tenha fé no nosso povo que ele resiste. Tenha fé no nosso povo que ele insiste.

Quando o muro separa uma ponte une. Se a vingança encara o remorso pune. Você vem me agarra, alguém vem me solta. Você vai na marra, ela um dia volta. E se a força é tua ela um dia é nossa. Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando. Que medo você tem do nós, olha aí. Você corta um verso, eu escrevo outro. Você me prende vivo, eu escapo morto. De repente olha eu de novo. O muro caiu, olha a ponte.

O dia em que o morro descer e não for carnaval. Ninguém vai ficar pra assistir o desfile final. O povo virá de cortiço, alagado e favela. Mostrando a miséria sobre a passarela. Sem a fantasia que sai no jornal. Vai ser uma única escola, uma só bateria. Quem vai ser jurado? Não tem órgão oficial, nem governo, nem liga, nem autoridade que compre essa briga. Ninguém sabe a força desse pessoal. Melhor é o Poder devolver a esse povo a alegria. Senão todo mundo vai sambar no dia em que o morro descer e não for carnaval.

A minha alegria atravessou o mar. E ancorou na passarela. Fez um desembarque fascinante. Será que eu serei o dono desta festa. Um rei. No meio desta gente tão modesta. Eu vim descendo a serra. Cheio de euforia para desfilar. O mundo inteiro espera. Hoje é dia do riso chorar. Acredito ser o mais valente. Nesta luta do rochedo com o mar. É hoje o dia da alegria e a tristeza. Nem pode pensar em chegar. Diga espelho meu. Se há alguém mais feliz que eu.

O nosso dia chegou. Então:

Explode coração na maior felicidade!

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