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O bem, com demais força

COLUNISTA - Por José Benjamim de Lima

José Benjamim

  • 03/05/18
  • 12:00
  • Atualizado há 311 semanas

*José Benjamim de Lima

Enquanto o Brasil se desmancha em catarse coletiva, em meio a paixões extremadas que se digladiam, cada qual jurando ser a melhor saída para a crise política e moral em que o país está mergulhado, respiro fundo e aprecio a bela natureza que Deus nos deu. (A ideia de que a natureza foi-nos dada por Deus, para nosso gozo e gáudio, é apenas uma concessão indefensável à vaidade humana, mas vá lá...). O ar que respiro é puro e leve, sem qualquer mancha de corrupção. O sol brilha radiante, enquanto as poucas nuvens no céu anil são flocos de algodão, movendo-se levemente até se dissiparem. Enquanto se movem, alteram incessantemente suas formas, produzindo figuras, ora estranhas, ora familiares, que não interessa muito decifrar, apenas maravilhar-se.

O vento sopra serenamente, acariciando pelos, cabelos, folhas, flores, cores; com a força de um verdadeiro imperativo categórico nada kantiano, impõe-me obediência ao seu irresistível comando: relaxe, sinta minha brisa, perceba como renovo a vida. Respire, respire, absorva o mundo de todas as direções que trago comigo e ofereço de graça. Vem-me naturalmente à memória Fernando Pessoa, na voz de Alberto Caeiro, que sabe das coisas: "Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros / Quer para fazer o bem, quer para fazer o mal. /A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos. / Querer mais é perder isto, e ser infeliz."

Nosso cérebro tem cerca de 100 bilhões de neurônios. Com a ajuda deles, conhecemos e dominamos a natureza numa extensão que seria inimaginável 10.000 anos atrás. Apesar disso, continuamos incapazes de criar uma sociedade humana justa e solidária, que faça da paz, da boa vontade e da cooperação seus valores inalienáveis. Mas isso não justifica nenhuma descabelada angústia ou atos tresloucados. Pode ser que a humanidade não tenha jeito mesmo, o que se há de fazer? Deve-se tentar fazer o possível para melhorá-la, obviamente.

Mas sempre lembrando a sabedoria de Riobaldo, do Grande Sertão: Veredas, "Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querer o mal, por principiar".

Habitamos um planeta de 4,5 bilhões de anos chamado terra, inserido na imensidão de milhões de corpos celestes que nos rodeiam e compõem um universo que começou com um Big Bang há estimados 13,5 milhões de anos. Uma outra imensidão, invisível, também nos rodeia: o mundo das moléculas e das células. Nesse microuniverso, que só recentemente a ciência humana começou a penetrar, a unidade de medida é o nanometro. Um nanometro corresponde à bilionésima parte de um metro. Uma pequena molécula de água mede 0,3 milionésimo de milímetro, ou 0,3 nanometro. As menores bactérias que existem medem em torno de 200 nanometros.

Entre o infinitamente grande e o infinitamente pequeno que nos rodeia, o que significam os 70 ou pouco mais de anos de vida de nossa passagem pela terra? Pouco mais que nada; mas é um quase nada único no mundo e, por isso, não deve ser desperdiçado com radicalismos cegos. Vale aqui a terrível advertência do cientista político Eric Hoffer: "Toda grande causa começa com um movimento, vira um negócio e finalmente degenera numa quadrilha".

Enquanto a brisa de abril ajuda a sintonizar-me com o eterno, vem-me à mente um texto do consagrado estudioso de mitologia Joseph Campbell que diz mais ou menos o seguinte: façam seus protestos e passeatas, manifestem sua indignação, mas sem perder jamais o fair-play. Protestem de maneira divertida. E arremata, lindamente: "o universo é a diversão de Deus".

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