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Mortadelas e coxinhas

COLUNISTA - José Benjamim de Lima

José Benjamim

  • 01/08/18
  • 19:00
  • Atualizado há 298 semanas

Adoro uma boa mortadela. Infelizmente, por razões médicas, pressão alta e colesterol, estou

impedido de consumi-la. Mas quando era jovem, em Rancharia, me deliciava com um

sanduíche de mortadela regado a sodinha Imaculada, de Conceição de Monte Alegre. Era

supimpa! Sem qualquer desgosto, degustava-os lentamente, já lamentando o fim, ali pelo

meio da consumação. As mortadelas daquela época, quase sessenta anos atrás, eram muito

melhores que as de hoje (ou será que quem mudou fui eu?). E a sodinha Imaculada batia

qualquer sprite ou antártica de hoje.

As gerações atuais se gabam de ir ao Mercadão de São Paulo, comer o famoso sanduíche de

mortadela de lá. Certamente nunca experimentaram o sanduíche do Bar Suyama, lá na baixada

da Avenida D. Pedro II, em Rancharia, mais de meio século atrás - um enorme pão francês

crocante, repleto do delicioso presunto de pobre, que nada ficava a dever em volume de

recheio e qualidade ao atual, do mercadão da Pauliceia. E bem mais barato! Bem longe da

exorbitância que se paga hoje, em nome da fama, à mortadela de grife.

Também não refugava, nos bons tempos, uma boa coxinha, de massa crocante, estufada de

tanta carne desfiada, bem temperada e suculenta. Pelas mesmas razões de saúde, não tenho

mais o prazer de saborear essa espécie de quitute, salvo as assadas e, ainda assim, com muita

parcimônia. Mas coxinha assada é um quebra-galho, perde de longe para a propriamente

dita... Não tem o mesmo sabor de aventura e perigo. Na Rancharia de minha mocidade, as

coxinhas do Bar da Jandira, que ficava na Praça da Matriz, eram imperdíveis. Ali, às vezes,

praticávamos a heresia de comer coxinha com vinho! Nada dos vinhos brasileiros chiques ou

dos importados de hoje. Isso não havia naquela época, nas pequenas cidades. Era com Sangue

de Boi mesmo ou seus similares.

O Brasil de hoje, ao contrário de outros tempos, em que mortadelas e coxinhas conviviam

pacificamente e o nosso paladar só tinha a ganhar, parece estar dividido fratricidamente na

preferência excludente de um desses dois quitutes. Nessa história boba de quererem rotular

as pessoas como coxinhas ou mortadelas prefiro fazer como meu neto Davi, quando a mãe o

colocou no dilema de escolher entre sorvete e chocolate - não dá para ser os dois?

Afinal, quanto ao status, o que diferencia a coxinha da mortadela, ou a mortadela da coxinha?

Muito pouco. São ambas igualmente populares; se uma tem gordura demais, pela fritura, a

outra tem muito sódio e produtos químicos. Fazem, na mesma proporção, bem à nossa gula e

paladar e mal à saúde. Se o dilema fosse entre coxinha e caviar, mortadela e caviar - talvez a

diferença fizesse algum sentido. Mas escolher entre coxinha ou mortadela? É mais ou menos

como a história do roto falando do esfarrapado. O país está arrasado, as Instituições em

frangalhos, a corrupção, por cima, nos roendo, o crime organizado, por baixo, nos dizimando, a

economia e finanças em ruínas, faltam-nos líderes, norte e valores, e estão preocupados em

nos dividir entre mortadelas e coxinhas? Francamente... essa é uma pilhéria (ou será miséria?)

de mal gosto que não consigo entender.

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