Mortadelas e coxinhas
COLUNISTA - José Benjamim de Lima
Adoro uma boa mortadela. Infelizmente, por razões médicas, pressão alta e colesterol, estou
impedido de consumi-la. Mas quando era jovem, em Rancharia, me deliciava com um
sanduíche de mortadela regado a sodinha Imaculada, de Conceição de Monte Alegre. Era
supimpa! Sem qualquer desgosto, degustava-os lentamente, já lamentando o fim, ali pelo
meio da consumação. As mortadelas daquela época, quase sessenta anos atrás, eram muito
melhores que as de hoje (ou será que quem mudou fui eu?). E a sodinha Imaculada batia
qualquer sprite ou antártica de hoje.
As gerações atuais se gabam de ir ao Mercadão de São Paulo, comer o famoso sanduíche de
mortadela de lá. Certamente nunca experimentaram o sanduíche do Bar Suyama, lá na baixada
da Avenida D. Pedro II, em Rancharia, mais de meio século atrás - um enorme pão francês
crocante, repleto do delicioso presunto de pobre, que nada ficava a dever em volume de
recheio e qualidade ao atual, do mercadão da Pauliceia. E bem mais barato! Bem longe da
exorbitância que se paga hoje, em nome da fama, à mortadela de grife.
Também não refugava, nos bons tempos, uma boa coxinha, de massa crocante, estufada de
tanta carne desfiada, bem temperada e suculenta. Pelas mesmas razões de saúde, não tenho
mais o prazer de saborear essa espécie de quitute, salvo as assadas e, ainda assim, com muita
parcimônia. Mas coxinha assada é um quebra-galho, perde de longe para a propriamente
dita... Não tem o mesmo sabor de aventura e perigo. Na Rancharia de minha mocidade, as
coxinhas do Bar da Jandira, que ficava na Praça da Matriz, eram imperdíveis. Ali, às vezes,
praticávamos a heresia de comer coxinha com vinho! Nada dos vinhos brasileiros chiques ou
dos importados de hoje. Isso não havia naquela época, nas pequenas cidades. Era com Sangue
de Boi mesmo ou seus similares.
O Brasil de hoje, ao contrário de outros tempos, em que mortadelas e coxinhas conviviam
pacificamente e o nosso paladar só tinha a ganhar, parece estar dividido fratricidamente na
preferência excludente de um desses dois quitutes. Nessa história boba de quererem rotular
as pessoas como coxinhas ou mortadelas prefiro fazer como meu neto Davi, quando a mãe o
colocou no dilema de escolher entre sorvete e chocolate - não dá para ser os dois?
Afinal, quanto ao status, o que diferencia a coxinha da mortadela, ou a mortadela da coxinha?
Muito pouco. São ambas igualmente populares; se uma tem gordura demais, pela fritura, a
outra tem muito sódio e produtos químicos. Fazem, na mesma proporção, bem à nossa gula e
paladar e mal à saúde. Se o dilema fosse entre coxinha e caviar, mortadela e caviar - talvez a
diferença fizesse algum sentido. Mas escolher entre coxinha ou mortadela? É mais ou menos
como a história do roto falando do esfarrapado. O país está arrasado, as Instituições em
frangalhos, a corrupção, por cima, nos roendo, o crime organizado, por baixo, nos dizimando, a
economia e finanças em ruínas, faltam-nos líderes, norte e valores, e estão preocupados em
nos dividir entre mortadelas e coxinhas? Francamente... essa é uma pilhéria (ou será miséria?)
de mal gosto que não consigo entender.