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"É como se fosse a Disneylândia": a visão de um filósofo sobre o Big Brother

COLUNISTA - Vinícius Mendes

Vinícius Mendes

  • 15/12/19
  • 08:00
  • Atualizado há 223 semanas

Quando o sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard morreu, em março de 2007, o Big Brother já era um dos programas de televisão de maior sucesso no mundo, com versões dos Estados Unidos e do Canadá à China, da África do Sul à Albânia, da Itália ao Brasil (BBB). Assim, uma das últimas análises que fez em vida foi justamente do reality show - que chega à sua vigésima edição brasileira em 21 de janeiro.

Baudrillard era um profundo crítico da chamada sociedade do consumo, porque via que o mundo contemporâneo não era baseado na produção, mas justamente no consumo: segundo ele, as pessoas não querem apenas comprar coisas, mas sim serem incluídas no sistema consumista em que os outros já estão inseridos.

Seu principal argumento é que a manipulação de símbolos, com a infinita reprodução e sobreprodução de imagens e signos pela publicidade e pelo mercado, apagou toda a distinção entre o real e a imagem. Na fase contemporânea do símbolo, ao contrário da sua etapa inicial, ele não tem qualquer relação com a realidade - é um simulacro do real. Foi assim que ele

se debruçou sobre o Big Brother.

Baudrillard diz, fundamentalmente, que o programa existe porque "o homem moderno está entregue a uma experimentação sem limites sobre si mesmo" que só acontece porque não há mais um destino a se apegar. Assim, ele serve de laboratório de uma convivência entre pessoas que é modificada por meio da televisão, uma transferência da vida cotidiana para um circuito fechado e controlado.

"O Big Brother parece-se com a Disneylândia, que dá a ilusão de um mundo real, de um mundo externo, sendo que os dois correspondem exatamente à imagem um do outro. Os Estados Unidos inteiro são a Disneylândia; todos nós estamos no Big Brother. O universal televisivo não passa de um detalhe holográfico da realidade global", escreve em seu artigo famoso.

Baudrillard também compara o programa à pornografia, não por causa dos encontros sexuais que eventualmente acontecem entre os participantes, mas porque o mundo atual é aficionado pela "banalidade", pela "superficialidade".

"As pessoas estão fascinadas e aterrorizadas pela indiferença do nada a dizer, nada a fazer...", reclama.

E em relação aos participantes, o filósofo francês diz que a vontade de participar do reality show é, na verdade, o desejo de não ser visto: "Há duas maneiras de desaparecer: ou se exige não ser visto ou se descamba para o exibicionismo delirante da própria mediocridade. O indivíduo faz-se medíocre para ser visto e contemplado como medíocre - última proteção contra a necessidade de existir e contra a obrigação de ser alguém". Assim, o que há no Big Brother é uma contradição na ideia de não ser visto justamente por meio da intensa visibilização.

No entanto, ele também se pergunta os motivos pelos quais tanta gente se interessa pelo programa, que registra taxas altíssimas de audiência no Brasil e nos EUA, onde é transmitido pelo canal CBS. Para ele, há algumas possíveis respostas: a primeira é que o programa atrai telespectadores por causa da sua mediocridade. A segunda é que, no fundo, as pessoas gostam de ver o nada, a "nulidade" do que acontece na casa, e a terceira, mais crítica, é que há uma

satisfação em perceber que se é "menos idiota do que o espetáculo". Isso pode ser, segundo ele, até uma estratégia da TV: oferecer espetáculos mais "medíocres" que a realidade e capazes de satisfazer as pessoas comuns.

Mas há outra possibilidade vista em Big Brother. Para Baudrillard, o princípio filosófico da democracia era tentar equilibrar a distribuição do mérito e do reconhecimento entre todas as pessoas. No programa, por sua vez, não há nenhuma equivalência entre ambos, mas, ao contrário, há muito reconhecimento e pouco mérito ou, nas palavras dele, "uma exaltação máxima por uma qualificação mínima".

Porém isso é, para ele, justamente uma radicalização da democracia, porque se a ideia original democrática só garante, na prática, um reconhecimento parcial ao mérito das pessoas - porque há muita gente para se reconhecer -, o Big Brother consegue fazer com que todos sejam totalmente reconhecidos, e mesmo sem nenhum mérito. Assim, o que acontece na casa é a "beatificação do homem sem qualidade".

"Enquanto se podia acusar a democracia tradicional de não recompensar os cidadãos pelos seus justos méritos, aqui se deveria, de preferência, acusá-la de superestimar todos, indiferentemente, com base em nada", escreve.

Por fim, o filósofo não lamenta: "O Big Brother é, ao mesmo tempo, o espelho e o desastre de uma sociedade inteira atolada na corrida ao insignificante e pasma diante de sua própria banalidade".

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