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Algumas considerações acerca da redução da Maioridade Penal

Thiago Baldani

  • 21/06/13
  • 10:00
  • Atualizado há 565 semanas

* Por Thiago Baldani Gomes De Filippo

Atualmente, muito se discute na imprensa falada e escrita, bem como nos meios acadêmicos, a respeito da redução da maioridade penal. É difícil quem não se envolva com o tema e emita uma opinião, ainda que se trate de pessoas que não tenham formação jurídica ou atuem na área da Infância e Juventude.

Como sabemos, no Brasil somente os maiores de 18 anos podem cometer crimes (art. 228 da Constituição Federal). Antes dessa idade, qualquer fato definido como crime praticado por crianças ou adolescentes receberá o nome de ato infracional e medidas socioeducativas podem ser aplicadas apenas aos adolescentes, definidos pelo art. 2º do ECA como as pessoas entre 12 e 18 anos. As medidas socioeducativas se assemelham às penas e variam desde uma simples advertência até a medida mais drástica de internação, que conta com o prazo máximo de três anos (art. 121, § 3º, do ECA).

Observamos que a diferença básica entre penas e medidas socioeducativas, contudo, reside na finalidade de ambas. O objetivo principal das penas é punir, embora não se descure de seu escopo ressocializador, ao passo que o objetivo mais importante das medidas é a (re)edução dos adolescentes, com a tentativa de (re)inseri-los na sociedade, de modo que sejam adultos que caminhem em retidão, alheios ao mundo da criminalidade.

Para alguns, essa intenção do sistema é muito ingênua, já que dificilmente será atingida, principalmente em se tratando de adolescentes useiros e vezeiros na prática de infrações. Além disso, a certeza da impunidade contribuiria para que criminosos inescrupulosos, principalmente os chefes do tráfico de drogas, valessem-se de adolescentes para o transporte de entorpecentes, transformando estes em verdadeiros escudos de suas práticas nefastas. Nos Estados Unidos, por exemplo, os renomados criminalistas Richard Singer e John La Fond esclarecem que, no início, havia uma preocupação com a ressocialização dos adolescentes, mas depois se percebeu que ela era inviável, concluindo-se que, na verdade, a sociedade deveria ser protegida da delinquência juvenil[1>.

O critério etário é o mais utilizado mundo afora. Países fixam a maioridade penal aos 10 anos, como a Inglaterra e País de Gales; outros aos 13, como é o caso da França[2>; alguns o fixam aos 16, como a Ucrânia; outros aos 18, como o Brasil, Itália, Rússia, Escócia, Índia, Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia; outros aos 20 anos, como o Japão; 21, na Alemanha; e 25 anos, na China[3>.

Nos Estados Unidos, em especial, a situação é bem complexa. Cabe a cada Estado-membro estabelecer os seus parâmetros, mas a idade não é o único critério. Por exemplo, no estado da Califórnia, a maioridade penal se dá aos 14 anos, mas a acusação pode provar que crianças mais novas contavam com o necessário discernimento para a prática do fato. Se assim o fizerem, as crianças menores de 14 anos também responderão criminalmente, como se já tivessem atingido aquela idade mínima[4>. Contudo, o Código Penal Modelo dos EUA sugere que a maioridade ocorra aos 16 anos[5>, mas, ainda assim, esses adolescentes devem ser julgados pela Justiça da Infância e Juventude, a não ser que esta Justiça especializada decline de sua jurisdição, em razão da gravidade do crime e da idade do adolescente[6>.

Inegavelmente, o critério etário confere segurança ao sistema, apesar de dar margem a certas injustiças como, por exemplo, no caso de um adolescente que comete uma infração grave um dia antes de seu 18º aniversário. Não se pode dizer que, como num passe de mágica, já no dia seguinte, tivesse completas condições de compreender o mal que praticava.

Assim, acreditamos que a melhor solução seria, à semelhança do que existe nos EUA, uma combinação entre os critérios etário e psicológico. Sustentamos, assim, que pudesse ser mantida a maioridade penal aos 18 anos, mas as seguintes alterações: (a) crianças entre 0 e 12 anos: continuariam não podendo sofrer medidas socioeducativas, com a possibilidade, entretanto, como já existe hoje, de aplicação de medidas de proteção a elas, seus pais ou responsáveis; (b) adolescentes entre 12 e 16 anos: continuariam sendo julgados, unicamente, pela Justiça da Infância e Juventude, com a possibilidade de serem aplicadas somente medidas socioeducativas; (c) adolescentes entre 16 e 18 anos: continuariam a ser julgados pela Justiça da Infância e Juventude e a sofrerem medidas socioeducativas, a não ser que praticassem crimes violentos ou houvesse reiteração na prática de infrações graves, como o tráfico de drogas, além de prova, mediante laudos psicossocial e psiquiátrico que, no momento da conduta, eles reuniam plenas condições de entenderem o caráter ilícito de seus atos e determinar-se de acordo com esse entendimento. Nestes casos, o processo seria remetido à Justiça Criminal e os adolescentes seriam julgados como se adultos fossem. A única cautela, nestes casos, ao se confirmar a condenação, seria o envio do adolescente a um estabelecimento especializado nesse tipo de custódia, com sua remessa a uma unidade prisional comum quando completasse 18 anos de idade.

Acreditamos que essa nova situação jurídica seria sensível aos reclames sociais contra a impunidade, sem se descurar da condição peculiar dos adolescentes, pessoas em desenvolvimento, merecedoras, por imposição constitucional, de integral proteção.

[1> Richard G. Singer e John Q. La Fond. Criminal Law, 2004, p. 452.

[2> Observando-se que existe liberdade ao juiz francês para aplicar penas ou medidas socioeducativas aos condenados entre 13 e 18 anos; a maioridade nessa faixa etária é, pois, relativa.

[3> Na China, contudo, adolescentes a partir dos 14 anos estão sujeitos a um sistema juvenil e podem sofrer pena de prisão perpétua, se praticarem crimes considerados mais graves.

[4> Código Penal da California, art. 26.

[5> Seção 4.10 do Código Penal Modelo.

[6> Richard G. Singer e John Q. La Fond, ob. cit., p. 452.

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