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Sonhar é preciso!

COLUNISTA - Niva Miguel

Niva Miguel

  • 15/10/18
  • 19:00
  • Atualizado há 287 semanas

Essas nuvens escuras que, por ora, insistem em querer baixar sobre o nosso país, e que, infelizmente, já contaminaram boa parte da população, carregam em si um veneno mortal: a histeria, o ódio, a má fé, o desamor, a ignorância, nenhuma ideologia e fazem brotar tudo de ruim que um ser humano carrega dentro de si e que estava adormecido. Aqueles, é claro, que não conseguem enxergar um palmo diante do nariz, mas querem mudanças a qualquer custo, exigências feitas com revólveres nas mãos e nada no cérebro e no coração. O melhor que temos a fazer frente a esse quadro horroroso, é continuar a nossa luta e confiar que no final a vitória virá, pois Deus está conosco até o pescoço.

Além disso, o que mais precisamos agora, mesmo cercados de idiotices pelos quatro cantos, é não perder, de jeito nenhum, a ternura, o amor, a dignidade e, principalmente, a inteligência e a elegância no pensar e no agir. Afinal, a vida nos ensinou e nos vacinou contra esses males e nos faz enxergar com a razão e em especial com o coração. Por isso, é que estamos na luta e somos imbatíveis, aconteça o que acontecer!

Crepúsculo

Assim que terminou aquela aula no curso de idioma, um enorme sorriso apareceu em seu rosto e encheu toda sua alma de alegria, pois ele havia aprendido algo novo. Um avanço! Descendo as escadas e com os pensamentos nas nuvens pelo feito, ele chegou à calçada. Parou, olhou para os dois lados da rua e pensou em tomar um café e comer um chocolate na Kopenhagen, que fica logo ali, à esquerda. Ainda nas nuvens, mudou o seu foco e olhou para frente, desta vez, e viu a Joia Líquida, sua perfumaria favorita, e imaginou ter sentido o cheiro daquele amadeirado que ele anda sonhando em comprar, um belo perfume, mas que ainda não é hora.

Sem café, sem chocolate e sem perfume, mas ainda inebriado, ele pegou o rumo da sua casa. Caminhou uns 20 metros, à direita, e chegou à rua principal da cidade onde passa a maior parte do seu tempo. Ali, foi como se tivesse entrado em um filme. O relógio marcava uns poucos minutos depois da seis da tarde, por isso, naquela extensão a rua estava movimentada. Gente indo e vindo, umas apressadas, outras nem tanto e outras ainda nenhuma coisa e nem outra. Veículos circulando calmamente como que desfilando pela via, davam o tom de uma cidade moderna.

Desta forma, sentindo que algo de mágico pairava no ar, ele se misturou a multidão caminhando como quem pisa em flores. Sua felicidade era nítida, então, para todos que lhe dirigiam um olhar, ele simplesmente sorria como que agradecendo a atenção.

Sorrindo, ele resolveu entrar em uma cafeteria tradicional da cidade, no Sete Quedas. Sentou-se no seu lugar de costume, cumprimentou as atendentes e nem precisou pedir, elas já sabiam o que ele queria beber. Uma pitada de café misturado com chocolate, chantilly, conhaque e raspas de mais chocolate por cima. Uma delícia! Com o pensamento vagando pra tudo quanto é lado, degustou o seu café e depois saiu calmamente mais feliz do que quando entrou.

Caminhando na calçada novamente e no meio da multidão, parecia estar só. Mas foi aí que ele notou o crepúsculo acontecendo e que o havia envolvido nesse mundo mágico. A tarde se despedindo e a noite chegando, mostrando todo um colorido exuberante pairando no ar, uma energia e um encantamento impossível de se descrever. Caminhou mais um pouco e parou diante da vitrine da Garden Man, uma loja de roupas, olhou o que estava exposto, desejou algumas peças, achou bonitas outras e ganhou um sorriso das vendedoras que já o conhecem. Acenou de volta e continuou sua caminhada.

Nesse momento, apesar de toda a sua alegria, sentiu que estava faltando algo, e que nesse mundo é impossível caminhar sozinho. Então, ele pensou no seu bem querer. Essa vontade aumentou mais ainda quando ele chegou na esquina onde existe um aconchegante bar chamado Bigode, com mesas na calçada, e viu gente conversando, casais namorando, gente à espera de alguém, gente chamando amigos, gente rindo...e claro, música no ar.

Ele viu também uma senhora bonita de uns 80 anos, solitária, toda elegante como manda o figurino para uma mulher nessa idade, sentada em uma mesa com um copo de Chopp pela metade a sua frente, demonstrando tamanha felicidade no viver. Gostaria de saber o que se passava nos seus pensamentos e imaginou: talvez uma viagem, quem sabe pensava nos filhos, nos netos ou quem sabe ainda, em um amor que se foi. Quem sabe!

Aí, a saudade do seu bem, que já era grande, ficou maior ainda. Por isso, tentou um contato só para ouvir a voz dela, na tentativa de acalentar um pouco o seu coração, mas não conseguiu nada.

Por conta disso, toda aquela magia do crepúsculo foi embora junto com a tarde, dando lugar para a escuridão da noite que agora reinava absoluta. Mais introspectivo agora, ele resolveu sentar no Pietro Casa do Chope, um belo lugar com gente bonita por todos os lados e mesas na calçada. Também já conhecido no local, sentou em uma mesa isolada e pediu uma cerveja. Pensava ele em tentar desvendar alguns mistérios, os que lhe vinham à mente, que a vida nos impõe. Aqueles que nos entristecem e nos alegram ao mesmo tempo.

Ele tomou o primeiro gole e sentiu a cerveja descer suavemente garganta abaixo, aquele velho sinal de que a bebida está na medida certa. Tentou voltar para os seus pensamentos, mas foi interrompido por um pedinte que queria algum dinheiro para comer, foi o que disse o miserável. Ganhou uma moeda e se foi agradecendo como se tivesse ganhado um milhão.

Assim, ele foi tomando a sua cerveja. Olhava as pessoas caminhando pra lá e pra cá, algumas felizes, outras apressadas e outras ainda demonstrando preocupações no semblante. Aí, um casal que vinha ao longe chamou a sua atenção. A dupla andava sorridente e um parecia querer proteger o outro. Era possível sentir a harmonia presente.

Ele, em dado momento em que acariciava os cabelos negros da mulher, também sorria

para ela. E ela retribuía com delicadas passadas de mão no seu rosto e um beijo na sua boca.

O casal caminhava tranquilamente como se o tempo houvesse parado e o mundo e tudo ao redor tivessem sido feitos só pra eles. Andavam alguns passos e se olhavam, trocavam carinhos, sorriam e se beijavam. Às vezes, se abraçavam demoradamente e um parecia dizer no ouvido do outro alguma coisa. Acho que era um eu te amo porque em seguida trocaram um beijo prolongado na boca. Coisa bonita de se ver! Por fim, os dois se olharam e deram as mãos, continuaram a caminhar, se misturaram aos demais transeuntes e sumiram virando a esquina. Quando o nosso personagem olhou para a cerveja, ela havia terminado. Ele sorriu, se levantou, pagou a conta e começou a caminhar se misturando com os que ali também andavam.

Como se vê, é tão fácil ser feliz! Basta sair de dentro de si! Basta enxergar o outro como um igual! Basta sorrir e respeitar as pessoas! Basta desejar a felicidade para os outros! Basta olhar o mundo com o coração! Basta amar de verdade! Basta tudo o que você quiser de bom!

*Niva Miguel é jornalista, professor e autor do livro "Além da Notícia" - [email protected]

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