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Dia da Consciência Negra: ex-comerciante comemora 70 anos de luta contra o racismo em Assis

Crescêncio Ramiro de Castro, comemora aniversário na data dedicada às pessoas negras

Redação AssisCity - Informações: Brasil Escola

  • 20/11/22
  • 08:00
  • Atualizado há 74 semanas

"O racismo existe, ele está aí, só que as pessoas fingem que não existe! Até hoje eu sinto um olho torto por parte de alguns, mas vejo também o reconhecimento por uma vida inteira de luta, sempre que encontro amigos, antigos fregueses, sinto a amizade e o respeito".

Este é um pouco do relato do ex-comerciante Crescêncio Ramiro de Castro, de 70 anos, nascido e criado em Assis, e que por ser negro teve uma vida de lutas, sofrimentos, preconceito, mas principalmente de superação.

"Nasci em 1952, meus pais eram trabalhadores braçais, e desde pequeno já sentia o peso da desigualdade social. Minha infância foi muito pobre e muitas vezes o alimento as vezes não era suficiente, comíamos farinha com leite de cabrito que era criação da família. Não havia tempo para brincadeira, desde muito cedo eu e meus irmãos tivemos que trabalhar duro", contou Crescêncio.

divulgação - Crescêncio Ramiro de Castro, completa 70 anos neste domingo, 20 de outubro - Foto: Divulgação
Crescêncio Ramiro de Castro, completa 70 anos neste domingo, 20 de outubro - Foto: Divulgação

Aos trezes anos, ainda menino, precisou abandonar os estudos para ajudar os pais, quando começou a trabalhar de Boia Fria, em uma Usina da região. "Senti muito por ter que abandonar os estudos, enquanto consegui, frequentei a escola, mas acabei parando para trabalhar na roça", explicou.

Primeiro contato com o racismo

Após abandonar o trabalho na roça, Crescêncio pediu trabalho como frentista em um posto de gasolina e ali vivenciou diversos episódios de racismo e preconceito.

"Ali o preconceito vinha dos próprios colegas de trabalho. Me lembro que em uma madrugada, eu e mais dois funcionários combinamos de revezar para tirar um cochilo, os dois foram e quando chegou minha vez, eles chamaram o patrão e me deram um banho de água fria", relembrou.

Mas os episódios não pararam por aí, o ex-comerciante teve seus documentou roubados e após três anos a polícia federal invadiu sua casa, revirou tudo, achando que o homem era bandido. "Nessa época eu já estava casado, meu primeiro filho havia acabado de nascer e me senti um criminoso, só após isso eles viram que eu não devia nada e então encontraram o homem que havia roubado meus documentos".

Além disso, o dia-a-dia do ex-comerciante nunca foi fácil, apesar de ter lutado sol a sol para conquistar um bom emprego e sustentar sua família, por ser um homem negro era desmerecido pela sociedade.

"Antigamente se comprava linha telefônica, e eu fui até a empresa comprar uma, quando estava na fila uma atendente passou perguntando se o pagamento seria a vista ou parcelado, quando ela passou por mim, me viu sujo do trabalho, nem me questionou. Fiquei na fila, com as pessoas que iriam parcelar, mesmo eu tendo o dinheiro a vista, quando chegou minha vez questionaram o motivo de não ter sido atendido com os outros, e ela presumiu que eu não tinha dinheiro, por ser negro, por estar sujo. As pessoas racistas olham para os negros e acham que não são capazes", contou Crescêncio.

Divulgação - Crescêncio Ramiro de Castro com a esposa Maria Aparecida Castro - Foto: Divulgaçãoo
Crescêncio Ramiro de Castro com a esposa Maria Aparecida Castro - Foto: Divulgaçãoo

Aniversário de 70 anos

O homem que conquistou tudo na base do esforço, vencendo e enfrentando provações, comemora seus 70 anos, no próximo dia 20 de novembro, dia dedicado a 'Consciência Negra', e Crescêncio fala da importância da data.

"70 anos não se faz todo dia, me sinto privilegiado por poder comemorar essa data, ainda mais em um dia que representa a luta pela liberdade, pela igualdade. Passei a vida inteira lutando por uma condição melhor, por um futuro melhor e acredito que todo negro precisa ter dignidade e ser tratado pela população com respeito e com igualdade", destacou.

Trabalho

Após trabalhar como Boia Fria e Frentista, Crescêncio também trabalhou na manutenção na antiga Zilo, após isso conquistou um cargo bom de encarregado de produção na Zuma e também como soldador na empresa Duaço.

"Mas foi em 2001 que eu abri meu bar, o conhecido 'Bar do Crescêncio', com muito trabalho consegui fazer do local um sucesso, por anos fomos conhecidos como um dos melhores bares de Assis, e isso tudo ao lado da minha esposa, que sempre esteve ao meu lado", contou.

Agora, já querendo descansar da vida dura e árdua que levou, Crescêncio passou o bar para um de seus filhos tocar.

Por fim a mensagem que o homem deixa para as pessoas negras é acreditar que são capazes. "Não devemos deixar que nos oprimam, que façam a gente pensar que somo incapazes de trabalhar, estudar, ter condições e andar de cabeça erguida. Pense em sua família, seus amigos e siga sempre em frente, sem parar de lutar", finalizou.

Dia da Consciência Negra

O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, foi instituído oficialmente pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A data faz referência à morte de Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares - situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na Região Nordeste do Brasil.

Zumbi foi morto em 1695, na referida data, por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho. Atualmente existe uma série de estudos que procuram reconstituir a biografia desse importante personagem da resistência à escravidão no Brasil.

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