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A pobreza do Brasil

Niva Miguel

  • 21/10/14
  • 10:00
  • Atualizado há 496 semanas

Há dois anos conversei com um deputado estadual e ele afirmou, naquele momento, sua preocupação com o andar da sociedade brasileira. Disse ele que os pobres que conseguiram uma ascensão estavam começando a "pensar" como os pertencentes à classe média e imaginando que sempre estiveram lá, esqueceram o passado. Os que eram classe média e também tiveram uma melhora, estavam achando que sempre foram milionários, que já nasceram em berço esplêndido.Os que já estavam nesse patamar, emergentes que não aparecem na revista Forbes, se sentiam incomodados com os novos vizinhos, sem elegância nenhuma. E os grã-finos, de verdade, estavam preocupados em ampliar seu lucros. Durma com um barulho desse!

Nesses casos é possível tentar entender o que foi que aconteceu. A maioria da população paulista, principalmente, conserva valores arraigados até o pescoço, que não a deixa ver seus próprios defeitos mas, sim, aponta o dedo para o outro, resultadode um pensamento ideológico rural, burguês, católico, branco, escravocrata e conservador ao extremo, presente no viver cotidiano dos que colocam o ter acima do ser. Isso tem prevalecido na maioria das pessoas. Mas, é bom lembrar que desse mundo nada se leva. Nunca vi um caixão com gavetas pra levar dinheiro, escrituras, cartão, porta joias..., nada. Só terra por baixo e laje por cima.

Se você é um desses, é melhor abrir o olho e começar a refletir também com o coração e perceber que é possível tratar o outro como um igual. Se você acha que está acima do outro porque você tem alguns bens como, por exemplo, um carro que vale mais que um imóvel, alguns alqueires de terras, não muito, mas na sua cabeça você é um fazendeiro, um agricultor com força no agronegócio;é comerciante, mas acha que é empresário, paga faculdade privada para os filhos, e se gaba disso, mas nunca pensou que ele não teve capacidade para entrar em uma universidade pública, entre outras coisas. E que tudo isso não épara o seu bem estar ou da sua família, mas sim para mostrar para quem está ao redor de que você é o cara ou a mina, é melhor abrir os dois olhos. Isso é pobreza!

Eleições

Em tempo de eleições, a pobreza na postura de certa parcela do povo brasileiro nunca esteve tão à mostra. É possível observá-la nas redes sociais e nas conversas diárias sobre política, por exemplo, onde as pessoas se apresentam exatamente como elas são: sem ética, sem responsabilidade, sem estética, preconceituosas. Pior, sem respeito algum pelo ser humano mais próximo. Isso é pobreza!

Tenho conversado e ouvido, por conta das eleições, cada história que dá vontade de chorar. A desinformação, desumanização e o ódio desnecessário das pessoas é algo espantoso, assustador. Ouvi a seguinte história de uma garçonete que foi empregada numa casa de família, "tutte le persone buone!".

Era um casal de dentistas mais dois filhos e um cachorro, Chihuahua, que pode ser levado numa bolsaLouis Vuitton, claro! Pois bem, na hora do almoço todos sentavam à mesa, inclusive o animal, e ela era obrigada a ficar na cozinha, que é o seu lugar, depois de servi-los. Para o "animalzinho" eram servidospapinhas e bifes, mas ela tinha direito a um, um só, prato de arroz com feijão e chega. Assim ninguém aguenta, né! E ela depois de 20 dias de humilhação, acordou e achou que tinha coisa melhor para fazer, pediu a conta e foi embora. Belo exemplo para os filhosque deu o casal. Isso é pobreza!

O outro caso, o cidadão que se porta como um quase "rico", também trata a empregada como uma "mucama" e enche a boca ao comentar que na casa dele empregada não senta à mesa para comer com a família de jeito nenhum, onde já se viu isso. Medo que ela ouça a conversa de uma gente que não tem o que conversar. Pior, no trabalho não cumprimenta, aliás, nem olha para os subalternos. Quando é obrigado por alguma razão, lava a mão depois. Cruz credo! Isso é pobreza!

E para terminar, a "madame" foi à cabeleireira, local onde se tem altos papos, só papo cabeça, concorda? Ela chegou indignada, brava, cuspindo fogo e explicou o motivo: tocou a campainha na sua casa, a empregada foi atender e quem estava ao portão achou que a mesma era a dona da casa e lhe dirigiu a palavra. A tal "madame" não acreditou no que viu e ouviu e imediatamente tomou a frente e se apresentou como a legitima proprietária do valoroso imóvel. Depois dessa argumentação, ela terminou a história com chave de ouro dizendo que a culpa é da empregada que se veste melhor do que ela. Pode uma coisa dessa? Isso é pobreza!

Cá entre nós, essas pessoas estão pautadas pela "grana". O dinheiro é bom e todo mundo gosta, certo? Mas, só ele torna as pessoas estreitas demais, sem visão e sem inteligência. Pior ainda para os que defendem esse tipo de atitude, é que quando apresentam suas ideiasé possível identificá-los o quanto são ridículos, porque vem à baila que são iletrados, têm pouca familiaridade com livros e nenhum poder de reflexão. Esse tipo de gente não ama ninguém. Pobres coitados!

Mas o que tudo isso tem a ver com as eleições? Tudo!O ideal seria elevar o nível da discussão e do viver. Saber que adversário político não é inimigo. Refletir o que é melhor para o país e para todos. Afinal, o mundo clama contra a desigualdade social reinante em todo o planeta.

É preciso olhar o outro como um iguale acabar logo com essa pobreza!

*Niva Miguel é jornalista, professor, membro do Instituto Zimbauê

Autor do livro "Além da Notícia".

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