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A exótica beleza das pessoas que amam

Kallil Dib

  • 16/01/16
  • 07:00
  • Atualizado há 434 semanas

Ele acordou pela manhã, quase tarde, olhou para o lado e viu um par de olhos negros fechados, um respirar profundo, sentiu um ar de beleza pouco comum em qualquer canto da cidade.

Ainda naquela manhã, quase tarde, sentou à mesa depois de planejar um café forte com frutas amargas. Sentiu que o café estava doce, assim como as frutas, que de amargas não tinham nada. Sorriu ao ouvir um bom dia daquela voz delicada.

Saiu para trabalhar atrasado, mas não tinha problema. Deixou para trás a saudade de segundos. Entrou no elevador cantarolando uma música que nunca tinha escutado. Virou compositor. Deu um abraço no porteiro do prédio, o mesmo que ele ignorava no resto dos dias da semana.

O terno e a gravata hoje não o incomodavam, apenas o faziam ficar mais apresentável. Chegou a seu destino. Preencheu relatórios, fez pesquisas, reuniões, foi promovido, por engano. Foi rebaixado, ouviu críticas, sugestões. Xingou o chefe, foi demitido. Jogou o terno e a gravata no lixo da sala, foi embora com um sorriso de orelha a orelha. Seus dez anos de empresa não se justificaram. Ninguém daquele escritório entendeu.

No caminho de volta à felicidade a chuva apareceu. Como no filme da semana passada, ele não viu problemas. Abriu os braços. Enquanto as pessoas em volta corriam atrás de abrigo, ele, sem terno e gravata, sentia as águas do céu e caminhava lentamente de volta para casa.

Viu o vendedor de flores parado na esquina. Comprou violetas; rosas tinham espinhos e eram muito comuns. E agora, com as cores do arco-íris indicando seu caminho, ele prosseguia saltitante ao final feliz.

Cumprimentou a vizinha chata. Fez carinho no cachorro bravo. Felicitou o carteiro. Deu adeus ao seu João e um sorvete à menina. Molhado, feliz, sorrindo, gripado, com um amor que acendia seus olhos.

Abriu a porta, colocou as violetas em cima da mesa, gritou para seu amor, ninguém respondeu. Procurou na sala, nada. No quarto, nada. Nos fundos, apenas o varal. No banheiro não estava. Na cozinha estava apenas um papel grudado na geladeira. Se sentiu aliviado, desfez a cara de susto.

Começou a ler:

"Olá. Foi um imenso prazer ficar com você. Desculpa se te fiz perder a hora do trabalho, acho que dormimos demais (também, depois de uma noite daquela...). A comida estava ótima. A sua companhia é bem agradável. Adorei te conhecer. Mas agora vou voltar para meu mundo e conhecer outras camas. Te fiz um desconto, o troco está em cima da mesa. Ah, essa semana estou com a agenda cheia, mas quando quiser me liga, o meu celular continua o mesmo. Beijos, felicidades".

Então ele amassou o bilhete e jogou pela janela. Voltou para sua rotina triste. No outro dia saiu para procurar emprego, sem cumprimentar o porteiro.

Por: Kallil Dib - jornalista

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