Buscar no site

A esquina mais triste da cidade

Kallil Dib

  • 12/03/24
  • 08:00
  • Atualizado há 39 semanas

Balões brancos, colocados em um poste, me chamaram a atenção ao passar pela esquina de uma movimentada avenida no último fim de semana. Flores coloridas também gritavam aos motoristas e pedestres. Cena rara de se ver neste canto abandonado da cidade.

Aquele é o meu caminho. Avenida que rege a minha rotina: é por onde obrigatoriamente tenho que passar para chegar a tempo de deixar as crianças na escola. Na esquina dos balões, geralmente prestamos atenção nos corotes caídos e pessoas amarguradas, sujas da noite anterior ou da surra que levam da vida todo santo dia. Um pouco de cor naquele lugar é raridade.

Mas até os andarilhos admiravam o canto que se tornara a atração principal em alguns minutos do dia. Afinal, as notícias que transcorrem sobre aquela região, quase sempre vêm com absurdismos.

Há poucos metros dali, semanalmente, as igrejas cantam aos fiéis e são ouvidas com atenção pelos moradores da rua. O padre sempre diz que precisamos de compaixão e que o principal legado que deixamos é o amor ao próximo. Mesmo discurso entoado pelo pastor, que certa vez começou o culto alertando os beatos a respeito do rancor, ódio, dos sentimentos ruins que nos deixam cada vez mais distantes.

As igrejas vivem lotadas. Há cultos e missas. Aos domingos, todas elas recebem devotos de outros cantos da cidade, esperançosos por palavras de conforto para começar a difícil semana. Munícipes que nem percebem o caminho de volta para casa.

A avenida das igrejas, que tem uma esquina bem peculiar, corta um complexo de bairros com milhares de residentes. Alguns destes nem casa têm e contemplam suas rotinas escutando as celebrações do fim de semana, rezando por dias melhores que demoram a chegar.

No sábado, parei no semáforo desta avenida. E o que me chamou a atenção não foram os pobres caídos, dormindo no chão. Mas vi balões brancos e flores amarelas, vermelhas, algumas azuis, e bem no meio delas, uma faixa que suplicava por 'Justiça'.

Confirmei que tudo se referia ao fato ocorrido por ali há alguns dias... Que se somou aos dramas que acontecem diariamente naquele mesmo espaço!

Os balões pediam por paz. As flores foram postas em homenagem à vítima de uma tragédia anunciada.

Um ou dois dias depois, os balões já estouraram, as flores murcharam.

Agora as esperanças também já se foram: a esquina da movimentada avenida será para sempre cinza. E cada dia parece estar mais triste.

Receba nossas notícias em primeira mão!

Colunistas Blog Podcast
Ver todos os artigos