Todo dia é dia de médico. Mas 18 de outubro é o dia do médico. Sem dúvida nenhuma a medicina é uma das mais relevantes profissões humanas, justificando que o bom profissional
médico seja merecedor das homenagens de toda a sociedade. Mas, para além das homenagens protocolares, será que o médico brasileiro tem sido valorizado e reconhecido, como merece a relevância de sua profissão?
Nos hospitais públicos e filantrópicos, submetidos a uma canhestra "SUSsialização" da saúde
(versão claudicante do que poderia ser uma efetiva e consistente socialização), trabalham sem
a menor condição de poderem prestar um serviço de boa qualidade: faltam auxiliares, faltam
equipamentos, faltam remédios e insumos, sobram pacientes e dificuldades, sem falar na remuneração alvitante. Na medicina pública (e a maior parte dos médicos não pode prescindir
dela) esses profissionais são os maiores bodes expiatórios das falhas do sistema. Muitas vezes
a população cobra deles responsabilidades que não são suas.
Na medicina privada, os planos de saúde gastam fortunas com exames, materiais cirúrgicos e
equipamentos, mas quando chega na hora de remunerar o médico pelas consultas e cirurgias,
os pagamentos são ridiculamente baixos. O custo da medicina é, sem dúvida, muito alto. Mas
não é o serviço profissional do médico o maior responsável por essa realidade. Muita água
corre por debaixo de pontes e próteses, entre o custo exorbitante da medicina e a baixa
remuneração média dos profissionais médicos...
Enquanto os hospitais de ponta exibem seus novos ricos e famosos e seus equipamentos de
primeiro mundo..., os hospitais públicos escancaram suas mazelas, e os filantrópicos se afogam
em dívidas, o governo autoriza mais e mais cursos de medicina, muitos de duvidosa qualidade,
jogando para a população a ideia equivocada de que a ineficiência dos serviços médicos, bem
como seus exagerados custos, se devem à falta de médicos.
Para piorar as coisas, a população, cada vez mais consciente quanto aos seus direitos (embora
essa "consciência" seja, não poucas vezes, produto de uma visão distorcida e incorreta da
realidade médica), exige cada vez mais do médico, atribuindo qualquer insucesso a erro ou
negligência do profissional. Em razão disso, avolumam-se ações judiciais contra médicos e
hospitais, muitas vezes sem fundamento idôneo. Apesar do volume alto de improcedência
dessas ações, acabam trazendo a esses profissionais muitos dissabores, morais e financeiros,
mesmo quando inocentados.
É claro, não se pode ser condescendente. O médico lida com a saúde e a vida humanas e não
pode deixar de ser criterioso, competente e diligente. Não pode nem deve errar, embora às
vezes errem, como todos os seres humanos. Mas há erros escusáveis e outros indesculpáveis.
Também há médicos, não muitos, entretanto, sem nenhuma sensibilidade para a dimensão
social e humana de sua atividade. Encastelam-se no narcisismo egoísta e nada enxergam além
da própria vaidade e ganância.
Por isso, o mau médico deve ser sempre penalizado. Mas é ruim que se exija dos médicos uma
perfeição que não podem dar, num contexto em que dispõem de poucos recursos e numa área da atividade humana em que há muito de imponderável e imprevisível e muitas variáveis
interferem no resultado do tratamento.
A judicialização generalizada da atividade médica tem um efeito perverso, socialmente muito danoso: acaba estimulando esses profissionais, por instinto de autoproteção, a optarem pelo exercício limitado e defensivo de sua profissão. Em breve não se encontrarão facilmente médicos que aceitem tratar de casos complicados e de alto risco, pelo temor de acabarem envolvidos numa disputa judicial em que podem ser injustiçados.
Que o dia do médico seja uma oportunidade para uma reflexão lúcida e tanto que possível
desapaixonada sobre as reais dificuldades atuais para o bom exercício dessa tão importante
profissão.
José Benjamin - [email protected]